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CAPÍTULO DEZESSETE

As Divisões da Fé

Texto

arjuna uvāca
ye śāstra-vidhim utsṛjya
yajante śraddhayānvitāḥ
teṣāṁ niṣṭhā tu kā kṛṣṇa
sattvam āho rajas tamaḥ

Sinônimos

arjunaḥ uvāca — Arjuna disse; ye — aqueles que; śāstra-vidhim — as regulações das escrituras; utsṛjya — abandonando; yajante — adoram; śraddhayā — plena fé; anvitāḥ — possuídos de; teṣām — deles; niṣṭhā — a fé; tu — mas; — qual; kṛṣṇa — ó Kṛṣṇa; sattvam — em bondade; āho — ou senão; rajaḥ — em paixão; tamaḥ — em ignorância.

Tradução

Arjuna perguntou: Ó Kṛṣṇa, em que situação ficam aqueles que não seguem os princípios das escrituras, mas adoram segundo sua própria imaginação? Estão eles em bondade, paixão ou ignorância?

Comentário

No Quarto Capítulo, verso trinta e nove, afirma-se que a pessoa fiel a um determinado tipo de adoração, pouco a pouco eleva-se à fase de conhecimento, e vive na mais perfeita paz e prosperidade. No Décimo Sexto Capítulo, conclui-se que quem não segue os princípios estabelecidos nas escrituras chama-se asura, demônio, e quem segue fielmente os preceitos das escrituras chama-se deva, ou semideus. Ora, qual é a posição de alguém que segue com fé algumas regras que não são mencionadas nos preceitos das escrituras? Kṛṣṇa irá dirimir esta dúvida que se apodera de Arjuna. Aqueles que criam uma espécie de Deus, escolhendo um ser humano e depositando nele sua fé, estão adorando em bondade, paixão ou ignorância? Será que essas pessoas alcançam a perfeição da vida? É possível que elas se situem em verdadeiro conhecimento e elevem-se à fase de perfeição máxima? Será que aqueles que não seguem as regras e regulações das escrituras, mas têm fé em algo e adoram deuses, semideuses e homens, obtêm sucesso nesse seu empreendimento? Arjuna está apresentando a Kṛṣṇa estas perguntas.

Texto

śrī-bhagavān uvāca
tri-vidhā bhavati śraddhā
dehināṁ sā svabhāva-jā
sāttvikī rājasī caiva
tāmasī ceti tāṁ śṛṇu

Sinônimos

śrī-bhagavān uvāca — a Suprema Personalidade de Deus disse; tri-vidhā — de três espécies; bhavati — torna-se; śraddhā — a fé; dehinām — dos corporificados; — essa; sva-bhāva- — conforme seu modo da natureza material; sāttvikī — no modo da bondade; rājasī — no modo da paixão; ca — também; eva — decerto; tāmasī — no modo da ignorância; ca — e; iti — assim; tām — isso; śṛṇu — ouça de Mim.

Tradução

A Suprema Personalidade de Deus disse: Conforme os modos da natureza adquiridos pela alma encarnada, sua fé pode ser de três espécies —bondade, paixão ou ignorância. Agora ouça enquanto falo sobre isso.

Comentário

Aqueles que conhecem as regras e regulações das escrituras, mas por preguiça ou indolência deixam de seguir estas regras e regulações, são governados pelos modos da natureza material. Conforme as atividades realizadas no modo da bondade, paixão ou ignorância, eles adquirem uma natureza específica compatível com essas qualidades. Desde tempos imemoriais o ser vivo se associa com os diferentes modos da natureza; por estar em contato com a natureza material, ele adquire diferentes tipos de mentalidade conforme sua associação com os modos materiais. Mas esta natureza pode mudar se ele se associa com um mestre espiritual genuíno e acata as suas regras e as escrituras. Com o tempo, ele pode sair da ignorância para a bondade, ou da paixão para a bondade. A conclusão é que a fé cega num modo específico da natureza não pode ajudar ninguém a elevar-se à fase de perfeição. É necessário ser muito ponderado e inteligente, procurando a associação de um mestre espiritual autêntico. Assim, pode-se mudar de posição, ficando em um modo superior da natureza.

Texto

sattvānurūpā sarvasya
śraddhā bhavati bhārata
śraddhā-mayo ’yaṁ puruṣo
yo yac-chraddhaḥ sa eva saḥ

Sinônimos

sattva-anurūpā — conforme a existência; sarvasya — de todos; śraddhā — fé; bhavati — torna-se; bhārata — ó filho de Bharata; śraddhā — fé; mayaḥ — cheia de; ayam — esta; puruṣaḥ — entidade viva; yaḥ — quem; yat — tendo o que; śraddhaḥ — fé; saḥ — assim; eva — decerto; saḥ — ele.

Tradução

Ó filho de Bharata, conforme sua existência sob os vários modos da natureza, o homem desenvolve determinada espécie de fé. Conforme os modos com os quais conviveu, o ser vivo tem uma fé específica.

Comentário

Independentemente do que sejamos, cada um de nós tem um tipo específico de fé. Mas considera-se que a fé está em bondade, paixão ou ignorância, conforme a natureza que se adquiriu. Assim, conforme seu tipo específico de fé, o homem se associa com determinadas pessoas. Ora, o que acontece de fato é que cada ser vivo, como se afirmou no Décimo Quinto Capítulo, é originalmente uma parte integrante fragmentária do Senhor Supremo. Portanto, ele é originalmente transcendental a todos os modos da natureza material. Mas quando se esquece de sua relação com a Suprema Personalidade de Deus e, assumindo a vida condicionada entra em contato com a natureza material, ele cria sua própria posição, associando-se com as diferentes variedades encontradas na natureza material. A conseqüente fé e existência artificiais são apenas materiais. Embora se deixe levar por alguma impressão, ou alguma concepção de vida, originalmente ele é nirguṇa, ou transcendental. Portanto, este ser vivo tem que purificar-se da contaminação material que adquiriu, para então recuperar sua relação com o Senhor Supremo. Este é o único caminho pelo qual ele pode voltar sem medo à consciência de Kṛṣṇa. Se estiver situado em consciência de Kṛṣṇa, então este caminho assegura sua elevação à fase da perfeição. Se não adotar este caminho da auto-realização, então, ele com certeza ficará sob a influência dos modos da natureza.

A palavra śraddhā, ou “fé”, é muito significativa neste verso. Śraddhā, ou fé, originalmente provém do modo da bondade. Pode-se ter fé num semideus ou criar algum Deus ou recorrer a alguma invenção mental. Supõe-se que com sua fé forte o homem produza obras típicas da bondade material. Mas na vida condicionada material, nenhum trabalho é inteiramente puro. Eles estão misturados. Eles não estão em bondade pura. A bondade pura é transcendental; na bondade purificada, pode-se compreender a verdadeira natureza da Suprema Personalidade de Deus. Enquanto não desenvolver uma fé que esteja em bondade completamente purificada, este homem terá uma fé sujeita a contaminação por qualquer dos modos da natureza material. Os modos contaminados da natureza material implantam-se no coração. Portanto, ele desenvolve sua fé conforme a posição que o coração estabeleceu em contato com um modo específico da natureza material. Deve-se compreender que se o coração de alguém está no modo da bondade, sua fé também está no modo da bondade. Se seu coração está no modo da paixão, sua fé também está no modo da paixão. E se seu coração está no modo da escuridão, na ilusão, sua fé também fica com essa mesma contaminação. Assim, encontramos diferentes espécies de fé neste mundo, e há diferentes classes de religião que se coadunam com as diferentes espécies de fé. O verdadeiro princípio da fé religiosa está situado no modo da bondade pura, mas porque o coração está contaminado, encontramos diferentes categorias de princípios religiosos. Logo, segundo diferentes classes de fé, há diferentes espécies de adoração.

Texto

yajante sāttvikā devān
yakṣa-rakṣāṁsi rājasāḥ
pretān bhūta-gaṇāṁś cānye
yajante tāmasā janāḥ

Sinônimos

yajante — adoram; sāttvikāḥ — aqueles que estão no modo da bondade; devān — semideuses; yakṣa-rakṣāṁsi — demônios; rājasāḥ — aqueles que estão no modo da paixão; pretān — espíritos dos mortos; bhūta-gaṇān — fantasmas; ca — e; anye — outros; yajante — adoram; tāmasāḥ — no modo da ignorância; janāḥ — pessoas.

Tradução

Os homens no modo da bondade adoram os semideuses; aqueles que estão no modo da paixão adoram os demônios; e aqueles que vivem no modo da ignorância adoram fantasmas e espíritos.

Comentário

Neste verso, a Suprema Personalidade de Deus descreve diferentes espécies de adoradores tomando como referência suas atividades corriqueiras. Conforme o preceito das escrituras, só a Suprema Personalidade de Deus é digno de adoração, mas segundo as situações específicas em que convivem com os modos da natureza material, aqueles que não são versados nos preceitos das escrituras, nem são fiéis a eles, adoram diferentes entidades. De um modo geral, aqueles que estão situados em bondade adoram os semideuses. Os semideuses incluem Brahmā, Śiva e outros como Indra, Candra e o deus do Sol. Existem vários semideuses. Aqueles que estão em bondade adoram um semideus específico de quem querem obter um benefício específico. De modo semelhante, aqueles que estão no modo da paixão adoram os demônios. Lembramo-nos de que durante a Segunda Guerra Mundial havia em Calcutá um homem que adorava Hitler, porque graças àquela guerra ele conseguira juntar uma grande quantidade de dinheiro negociando no mercado negro. Do mesmo modo, aqueles nos modos da paixão e ignorância geralmente escolhem como seu Deus um homem poderoso. Eles acham que adorando qualquer um como Deus, os mesmos resultados serão obtidos.

Ora, aqui se descreve claramente que aqueles que estão no modo da paixão criam e adoram tais deuses, e que aqueles que estão no modo da ignorância, na escuridão, adoram espíritos mortos. Às vezes, as pessoas fazem adoração no túmulo de um homem morto. Também se considera que a atividade sexual dentro deste contexto está no modo da escuridão. De modo semelhante, em aldeias remotas na Índia há adoradores de fantasmas. Na Índia, vimos que as pessoas da classe baixa, às vezes vão para a floresta e, se sabem que um fantasma mora numa árvore, eles adoram essa árvore e oferecem sacrifícios. Estas diferentes espécies de adoração não são verdadeira adoração a Deus. A adoração a Deus é prestada por pessoas que estão transcendentalmente situadas em bondade pura. No Śrīmad-Bhāgavatam (4.3.23), está dito que sattvaṁ viśuddhaṁ vasudeva-śabditam: “Quando está em bondade pura, a pessoa adora Vāsudeva”. O significado é que aqueles que se purificaram completamente dos modos da natureza material e se situaram na transcendência passam a adorar a Suprema Personalidade de Deus.

Supõe-se que os impersonalistas estejam no modo da bondade, e eles adoram cinco classes de semideuses. Eles adoram a forma impessoal de Viṣṇu no mundo material, que é conhecida como o Viṣṇu filosofal. Viṣṇu é uma expansão da Suprema Personalidade de Deus, mas porque os impersonalistas em última análise não acreditam na Suprema Personalidade de Deus, eles imaginam que a forma de Viṣṇu seja um outro aspecto do Brahman impessoal; do mesmo modo, imaginam que o Senhor Brahmā é a forma impessoal do modo material da paixão. Assim, eles às vezes descrevem cinco espécies de deuses que são adoráveis, mas porque efetivamente pensam que a verdade é o Brahman impessoal, no final das contas eles prescindem de todos os objetos de adoração. Em conclusão, as diferentes qualidades dos modos da natureza material podem ser purificadas através da associação com pessoas cuja natureza é transcendental.

Texto

aśāstra-vihitaṁ ghoraṁ
tapyante ye tapo janāḥ
dambhāhaṅkāra-saṁyuktāḥ
kāma-rāga-balānvitāḥ
karṣayantaḥ śarīra-sthaṁ
bhūta-grāmam acetasaḥ
māṁ caivāntaḥ śarīra-sthaṁ
tān viddhy āsura-niścayān

Sinônimos

aśāstra — não nas escrituras; vihitam — dirigidas; ghoram — prejudiciais para os outros; tapyante — submetem-se a; ye — aqueles que; tapaḥ — austeridades; janāḥ — pessoas; dambha — com orgulho; ahaṅkāra — e egoísmo; saṁyuktāḥ — ocupados; kāma — da luxúria; rāga — e apego; bala — pela força; anvitāḥ — impelidos; karṣayantaḥ — atormentando; śarīra-stham — situados dentro do corpo; bhūta-grāmam — a combinação de elementos materiais; acetasaḥ — tendo uma mentalidade desorientada; mām — a Mim; ca — também; eva — decerto; antaḥ — dentro; śarīra-stham — situados no corpo; tān — a eles; viddhi — compreenda; āsura-niścayān — demônios.

Tradução

Aqueles que se submetem a rigorosas austeridades e penitências não recomendadas nas escrituras, executando-as por orgulho e egoísmo, que são impelidos por luxúria e apego, que são tolos e que torturam os elementos materiais do corpo bem como a Superalma que mora dentro deste, devem ser conhecidos como demônios.

Comentário

Há pessoas que inventam métodos de austeridade e penitência que não são mencionados nos preceitos das escrituras. Por exemplo, jejuar com algum propósito subjacente, tal como promover um fim puramente político, não consta nas instruções das escrituras. As escrituras recomendam o jejum para se obter avanço espiritual, e não com algum fim político ou propósito social. Segundo o Bhagavad-gītā, as pessoas que adotam essas austeridades na certa são demoníacas. Seus atos vão de encontro aos preceitos das escrituras e não são benéficos para o povo em geral. Na verdade, elas agem por orgulho, falso ego, luxúria e apego ao prazer material. Com essas atividades, não só se perturbam a combinação de elementos materiais de que o corpo é construído, mas também a própria Suprema Personalidade de Deus que mora dentro do corpo. Semelhante jejum ou austeridades desautorizadas, feitos com algum fim político, decerto perturbam demais os outros. Tais atos não são mencionados na literatura védica. O homem demoníaco pode pensar que, com este método, consegue forçar seu inimigo ou outras facções a curvar-se a seus desejos, mas às vezes ele acaba morrendo devido ao jejum. Estes atos não são aprovados pela Suprema Personalidade de Deus, que diz que quem se dedica a tais atividades são demônios. Tais demonstrações são insultos à Suprema Personalidade de Deus porque são efetuadas em desobediência aos preceitos das escrituras védicas. A palavra acetasaḥ é significativa neste contexto. Pessoas que têm uma mente equilibrada devem obedecer aos preceitos das escrituras. Aqueles que não estão nessa posição, negligenciam as escrituras e desobedecem a elas, inventando seu próprio método de austeridades e penitências. É bom sempre lembrar que fim levam os seres demoníacos, como foi descrito no capítulo anterior. O Senhor força-os a nascer nos ventres de outros seres demoníacos. Por conseguinte, vida após vida eles viverão segundo princípios demoníacos, sem conhecer sua relação com a Suprema Personalidade de Deus. Entretanto, se eles forem afortunados o bastante para serem guiados por um mestre espiritual que possa dirigi-los para o caminho da sabedoria védica, eles poderão sair deste enredamento e acabarão alcançando a meta suprema.

Texto

āhāras tv api sarvasya
tri-vidho bhavati priyaḥ
yajñas tapas tathā dānaṁ
teṣāṁ bhedam imaṁ śṛṇu

Sinônimos

āhāraḥ — comida; tu — decerto; api — também; sarvasya — de todos; tri-vidhaḥ — de três espécies; bhavati — há; priyaḥ — querido; yajñaḥ — sacrifício; tapaḥ — austeridade; tathā — também; dānam — caridade; teṣām — deles; bhedam — as diferenças; imam — estas; śṛṇu — ouça.

Tradução

Mesmo o alimento preferido de cada um é de três espécies, conforme os três modos da natureza material. O mesmo se aplica aos sacrifícios, às austeridades e à caridade. Agora ouça enquanto falo sobre as distinções que existem entre eles.

Comentário

No que se refere às diferentes situações encontradas nos modos da natureza material, existem diferenças nas maneiras de comer, de executar sacrifícios, austeridades e obras de caridade. Eles nem sempre estão num mesmo nível. Aqueles que podem compreender analiticamente as atividades, e os modos da natureza material em que elas se encaixam, são sábios de verdade; aqueles que consideram todas as espécies de sacrifício, alimento ou caridade como a mesma coisa não conseguem discriminar, e são tolos. Há certos missionários que advogam que mesmo fazendo o que bem quiser, a pessoa pode alcançar a perfeição. Mas estes guias tolos não estão agindo conforme a instrução das escrituras. Estão fabricando métodos e desorientando as pessoas em geral.

Texto

āyuḥ-sattva-balārogya-
sukha-prīti-vivardhanāḥ
rasyāḥ snigdhāḥ sthirā hṛdyā
āhārāḥ sāttvika-priyāḥ

Sinônimos

āyuḥ — duração da vida; sattva — existência; bala — força; ārogya — saúde; sukha — felicidade; prīti — e satisfação; vivardhanāḥ — aumentando; rasyāḥ — suculentos; snigdhāḥ — gordurosos; sthirāḥ — duráveis; hṛdyāḥ — agradáveis para o coração; āhārāḥ — alimentos; sāttvika — para alguém em bondade; priyāḥ — saborosos.

Tradução

Os alimentos apreciados por aqueles que estão no modo da bondade aumentam a duração da vida, purificam a existência e dão força, saúde, felicidade e satisfação. Estes alimentos são suculentos, gordurosos, saudáveis e agradáveis ao coração.

Texto

kaṭv-amla-lavaṇāty-uṣṇa-
tīkṣṇa-rūkṣa-vidāhinaḥ
āhārā rājasasyeṣṭā
duḥkha-śokāmaya-pradāḥ

Sinônimos

kaṭu — amargo; amla — acre; lavaṇa — salgado; ati-uṣṇa — muito quente; tīkṣṇa — picante; rūkṣa — seco; vidāhinaḥ — ardente; āhārāḥ — alimento; rājasasya — para alguém no modo da paixão; iṣṭāḥ — apetitosos; duḥkha — sofrimento; śoka — miséria; āmaya — doença; pradāḥ — causando.

Tradução

Alimentos que são muito amargos, muito acres, salgados, quentes, picantes, secos e ardentes são apreciados por quem está no modo da paixão. Tais alimentos causam sofrimento, miséria e doença.

Texto

yāta-yāmaṁ gata-rasaṁ
pūti paryuṣitaṁ ca yat
ucchiṣṭam api cāmedhyaṁ
bhojanaṁ tāmasa-priyam

Sinônimos

yāta-yāman — alimento cozinhado três horas antes de ser comido; gata-rasam — sem sabor; pūti — malcheiroso; paryuṣitam — decomposto; ca — também; yat — aquilo que; ucchiṣṭam — restos de alimentos comidos por outros; api — também; ca — e; amedhyam — intocável; bhojanam — comida; tāmasa — para alguém no modo da escuridão; priyam — querida.

Tradução

Alimento preparado mais de três horas antes de ser ingerido, alimento insípido, decomposto e putrefato, e alimento que consiste em refugos e substâncias intocáveis atrai aqueles que estão no modo da escuridão.

Comentário

O propósito do alimento é aumentar a duração da vida, purificar a mente e dar força ao corpo. Este é seu único propósito. No passado, grandes autoridades selecionaram os alimentos que são mais úteis à saúde e servem para aumentar a duração da vida, tais como produtos lácteos, açúcar, arroz, trigo, frutas e vegetais. Estes alimentos são muito apreciados por aqueles que estão no modo da bondade. Alguns outros alimentos, tais como o milho cozido e o melado, embora em si não sejam muito saborosos, podem tornar-se agradáveis quando misturados com leite ou outros alimentos. Eles passam, então, ao modo da bondade. Todos esses alimentos são puros por natureza. Eles são bem diferentes de substâncias intocáveis, tais como carne e bebidas alcoólicas. Os alimentos gordurosos mencionados no verso oito não têm nenhuma relação com a gordura animal obtida através da matança. A gordura animal é disponível sob a forma de leite, que é o mais maravilhoso de todos os alimentos. Leite, manteiga, queijo e produtos desse mesmo gênero, fornecem uma forma de gordura animal que exclui qualquer necessidade de matar criaturas inocentes. Só quem tem uma mentalidade bruta deixa que esta matança aconteça. O leite propicia o método civilizado de obter a gordura necessária. A matança é prática dos sub-humanos. A proteína é amplamente disponível através de ervilhas partidas, dāl, trigo integral, etc.

Os alimentos no modo da paixão, que são amargos, muito salgados ou muito quentes, ou com acentuada mistura de pimenta-malagueta, causam sofrimento devido à redução do muco no estômago, favorecendo o aparecimento de doenças. Os alimentos no modo da ignorância ou escuridão são essencialmente aqueles que não são frescos. Qualquer alimento cozido mais de três horas antes de ser comido (exceto prasādam, alimento oferecido ao Senhor) é considerado alimento no modo da escuridão. Porque estão se decompondo, tais alimentos exalam mau odor, que muitas vezes atrai as pessoas que estão sob a influência deste modo, mas repele aqueles que vivem no modo da bondade.

Restos de alimento só podem ser comidos quando são partes de uma refeição que antes foi oferecida ao Senhor Supremo ou comida primeiro por pessoas santas, especialmente o mestre espiritual. Caso contrário, os restos de alimento são considerados no modo da escuridão, e favorecem o aparecimento de infecção ou doença. Tais alimentos, embora muito saborosos para as pessoas no modo da escuridão, não são apreciados, nem mesmo tocados, por aqueles no modo da bondade. O melhor alimento são os restos do que é oferecido à Suprema Personalidade de Deus. No Bhagavad-gītā o Senhor Supremo diz que aceita preparações à base de vegetais, farinha e leite quando oferecidas com devoção. Patraṁ puṣpaṁ phalaṁ toyam. É claro que devoção e amor são os principais itens aceitos pela Suprema Personalidade de Deus. Mas também se menciona que a prasādam deve ser preparada com atenção especial. Qualquer alimento preparado segundo os preceitos das escrituras e oferecido à Suprema Personalidade de Deus pode ser tomado mesmo se preparado há muito, muito tempo, porque semelhante alimento é transcendental. Portanto, para tornar a refeição antisséptica, comível e saborosa para todos, deve-se oferecer o alimento à Suprema Personalidade de Deus.

Texto

aphalākāṅkṣibhir yajño
vidhi-diṣṭo ya ijyate
yaṣṭavyam eveti manaḥ
samādhāya sa sāttvikaḥ

Sinônimos

aphala-ākāṅkṣibhiḥ — por aqueles desprovidos de desejo pelo resultado; yajñaḥ — sacrifício; vidhi-diṣṭaḥ — segundo a ordem da escritura; yaḥ — que; ijyate — é executado; yaṣṭavyam — deve ser executado; eva — decerto; iti — assim; manaḥ — mente; samādhāya — fixando; saḥ — ele; sāttvikaḥ — no modo da bondade.

Tradução

Dos sacrifícios, é da natureza da bondade o sacrifício que por uma mera questão de dever é executado conforme as direções das escrituras por aqueles que não desejam nenhuma recompensa.

Comentário

É tendência geral oferecer sacrifício com algum propósito em mente, mas aqui se declara que se deve executar sacrifício sem se deixar levar por nenhum desses desejos. É bom executá-lo por uma mera questão de dever. Tomemos, por exemplo, a execução de rituais em templos ou igrejas. Em geral, eles são executados em troca de benefício material, mas isto não está no modo da bondade. Convém ir ao templo ou igreja como um dever, prestar respeito à Suprema Personalidade de Deus e oferecer flores e comestíveis, sem qualquer propósito de se obter ganho material. Todos pensam que não adianta ir ao templo só para adorar a Deus. Mas os preceitos das escrituras não recomendam a adoração em troca de benefício econômico. Deve-se apenas procurar oferecer respeito à Deidade. Com isto, o adorador se colocará no modo da bondade. É dever de todos os homens civilizados obedecer aos preceitos das escrituras e prestar respeito à Suprema Personalidade de Deus.

Texto

abhisandhāya tu phalaṁ
dambhārtham api caiva yat
ijyate bharata-śreṣṭha
taṁ yajñaṁ viddhi rājasam

Sinônimos

vidhi-hīnam — sem direção da escritura; asṛṣṭa-annam — sem distribuição de prasādam; mantra-hīnam — sem o cantar dos hinos védicos; adakṣiṇam — sem remuneração para os sacerdotes; śraddhā — fé; virahitam — sem; yajñam — sacrifício; tāmasam — no modo da ignorância; paricakṣate — deve ser considerado.

Tradução

Considera-se que todo sacrifício executado sem que se levem em consideração a direção das escrituras, sem que se distribua prasādam (alimento espiritual), sem que se cantem os hinos védicos, sem que se remunerem os sacerdotes e sem que se tenha fé, está no modo da ignorância.

Comentário

Fé no modo da escuridão ou ignorância é na verdade descrença. Às vezes, as pessoas adoram algum semideus só para ganhar dinheiro e depois gastam o dinheiro em diversões, ignorando os preceitos das escrituras. Tais exibições cerimoniais de religiosidade não são aceitas como genuínas. Todas elas estão no modo da escuridão, produzem uma mentalidade demoníaca, e não beneficiam a sociedade humana.

Texto

vidhi-hīnam asṛṣṭānnaṁ
mantra-hīnam adakṣiṇam
śraddhā-virahitaṁ yajñaṁ
tāmasaṁ paricakṣate

Sinônimos

abhisandhāya — desejando; tu — mas; phalam — o resultado; dambha — orgulho; artham — por causa de; api — também; ca — e; eva — decerto; yat — aquilo que; ijyate — é executado; bharata-śreṣṭha — ó principal dos Bhāratas; tam — este; yajñam — sacrifício; viddhi — saiba; rājasam — no modo da paixão.

Tradução

Mas saiba que o sacrifício executado em troca de algum benefício material, ou por orgulho, ó principal dos Bhāratas, está no modo da paixão.

Comentário

Às vezes, há certas pessoas que executam sacrifícios e rituais para elevar-se ao reino celestial ou para obter alguns benefícios materiais neste mundo. Tais sacrifícios ou execuções ritualísticas são considerados no modo da paixão.

Texto

deva-dvija-guru-prājña-
pūjanaṁ śaucam ārjavam
brahmacaryam ahiṁsā ca
śārīraṁ tapa ucyate

Sinônimos

deva — do Senhor Supremo; dvija — os brāhmaṇas; guru — o mestre espiritual; prājña — e personalidades adoráveis; pūjanam — adoração; śaucam — limpeza; ārjavam — simplicidade; brahmacaryam — celibato; ahiṁsā — não-violência; ca — também; śārīram — relativo ao corpo; tapaḥ — austeridade; ucyate — diz-se que é.

Tradução

A austeridade do corpo consiste em adorar o Senhor Supremo, os brāhmaṇas, o mestre espiritual e os superiores, tais como o pai e a mãe, e em limpeza, simplicidade, celibato e não-violência.

Comentário

Aqui, a Divindade Suprema explica as diferentes espécies de austeridade e penitência. Primeiro, Ele explica as austeridades e penitências praticadas com o corpo. Deve-se oferecer, ou aprender a oferecer, respeito a Deus ou aos semideuses, aos brāhmaṇas perfeitos e qualificados e ao mestre espiritual e aos superiores, tais como o pai, a mãe ou qualquer pessoa versada no conhecimento védico. Eles devem receber o devido respeito. Deve-se praticar a limpeza externa e interna, e deve-se aprender a comportar-se com simplicidade. Não se deve fazer nada que não seja sancionado pelos preceitos das escrituras. Não se deve praticar sexo fora do casamento, pois as escrituras autorizam apenas o sexo dentro do casamento, e não algum outro tipo de atividade sexual. Isto se chama celibato. Estas penitências e austeridades referem-se ao corpo.

Texto

anudvega-karaṁ vākyaṁ
satyaṁ priya-hitaṁ ca yat
svādhyāyābhyasanaṁ caiva
vāṅ-mayaṁ tapa ucyate

Sinônimos

anudvega-karam — que não agitam; vākyam — palavras; satyam — verazes; priya — queridas; hitam — benéficas; ca — também; yat — que; svādhyāya — do estudo védico; abhyasanam — prática; ca — também; eva — decerto; vākmayam — da voz; tapaḥ — austeridade; ucyate — diz-se que é.

Tradução

A austeridade da fala consiste em proferir palavras verazes, agradáveis, benéficas e que não perturbam os outros, e também em recitar regularmente a literatura védica.

Comentário

Ninguém deve falar de um modo que agite a mente dos outros. Naturalmente, ao falar, um professor pode instruir seus alunos, dizendo-lhes a verdade, mas esse mesmo professor não precisa se dirigir àqueles que não são seus alunos com palavras que acaso venham a agitar suas mentes. Esta penitência refere-se ao ato de falar. Ademais, não se devem falar tolices. O processo de falar em círculos espirituais consiste em dizer algo que as escrituras aprovam. Para confirmar aquilo que diz, a pessoa deve imediatamente citar uma passagem da escritura autorizada. Ao mesmo tempo, deve ser muito agradável ouvir a sua conversa. Com seus comentários, ela pode obter o maior benefício e elevar a sociedade humana. Há um acervo ilimitado de literatura védica, e todos devem procurar estudá-la. Isto se chama penitência da fala.

Texto

manaḥ-prasādaḥ saumyatvaṁ
maunam ātma-vinigrahaḥ
bhāva-saṁśuddhir ity etat
tapo mānasam ucyate

Sinônimos

manaḥ-prasādaḥ — satisfação da mente; saumyatvam — não tendo duplicidade para com os outros; maunam — gravidade; ātma — do eu; vinigrahaḥ — controle; bhāva — da própria natureza; saṁśuddhiḥ — purificação; iti — assim; etat — isto; tapaḥ — austeridade; mānasam — da mente; ucyate — diz-se que é.

Tradução

E satisfação, simplicidade, gravidade, autocontrole e purificação da existência são as austeridades da mente.

Comentário

Tornar a mente austera é afastá-la do gozo dos sentidos. Ela deve aprender a sempre ficar pensando em fazer o bem aos outros. O melhor treinamento que a mente pode receber é pensar com seriedade. Ninguém deve desviar-se da consciência de Kṛṣṇa e todos devem sempre evitar o gozo dos sentidos. Purificar a própria natureza é tornar-se consciente de Kṛṣṇa. Só se pode obter satisfação da mente afastando dela os pensamentos que produzem gozo dos sentidos. Quanto mais pensamos no prazer dos sentidos, mais insatisfeita fica a mente. Na era atual, oferecemos à mente muitos processos supérfluos de gozo dos sentidos, e assim não há possibilidade de a mente ficar satisfeita. O melhor procedimento é direcionar a mente para a literatura védica, que está cheia de histórias aprazíveis, como os Purāṇas e o Mahābhārata. É possível aproveitar-se deste conhecimento e então purificar-se. A mente não deve ter duplicidade, e deve-se pensar no bem-estar de todos. Silêncio quer dizer que se vive pensando na auto-realização. Neste sentido, quem é consciente de Kṛṣṇa observa silêncio perfeito. Controle da mente quer dizer, afastar da mente a satisfação dos sentidos. O homem deve ser honesto em suas atitudes e desse modo purificar sua existência. Juntas, todas estas qualidades constituem a austeridade das atividades mentais.

Texto

śraddhayā parayā taptaṁ
tapas tat tri-vidhaṁ naraiḥ
aphalākāṅkṣibhir yuktaiḥ
sāttvikaṁ paricakṣate

Sinônimos

śraddhayā — com fé; parayā — transcendental; taptam — executado; tapaḥ — austeridade; tat — isso; tri-vidham — de três espécies; naraiḥ — por homens; aphala-ākāṅkṣibhiḥ — que não têm desejos dos frutos; yuktaiḥ — ocupados; sāttvikam — no modo da bondade; paricakṣate — chama-se.

Tradução

Estas três espécies de austeridade, executadas com fé transcendental, por quem não espera benefícios materiais, mas que atua apenas por amor ao Supremo, chamam-se austeridades em bondade.

Texto

satkāra-māna-pūjārthaṁ
tapo dambhena caiva yat
kriyate tad iha proktaṁ
rājasaṁ calam adhruvam

Sinônimos

sat-kāra — respeito; māna — honra; pūjā — e adoração; artham — em prol de; tapaḥ — austeridade; dambhena — com orgulho; ca — também; eva — decerto; yat — que; kriyate — é executado; tat — isso; iha — neste mundo; proktam — diz-se; rājasam — no modo da paixão; calam — flutuante; adhruvam — temporário.

Tradução

Afirma-se que a penitência executada por orgulho e com o intuito de ganhar respeito, honra e adoração está no modo da paixão. E não é estável nem permanente.

Comentário

Às vezes, executam-se penitência e austeridade para atrair os outros e receber deles honra, respeito e adoração. Quem está no modo da paixão condiciona-se a ser adorado por seus subordinados e deixa-os lavar-lhe os pés e lhe oferecer dinheiro. Considera-se que esses arranjos conseguidos artificialmente através de penitências está no modo da paixão. Os resultados são temporários; podem durar algum tempo, mas não são permanentes.

Texto

mūḍha-grāheṇātmano yat
pīḍayā kriyate tapaḥ
parasyotsādanārthaṁ vā
tat tāmasam udāhṛtam

Sinônimos

mūḍha — tolo; grāheṇa — com esforço; ātmanaḥ — da própria pessoa; yat — que; pīḍayā — através de tortura; kriyate — é executado; tapaḥ — penitência; parasya — aos outros; utsādana-artham — para causar aniquilação; — ou; tat — isso; tāmasam — no modo da escuridão; udāhṛtam — diz-se que é.

Tradução

Penitência executada por tolice, com autotortura, ou visando a destruir ou ferir os outros, se diz que está no modo da ignorância.

Comentário

Há exemplos de penitência tola empreendida por demônios como Hiraṇyakaśipu, que executou rigorosas penitências para tornar-se imortal e matar os semideuses. Ele orou a Brahmā que lhe concedesse esses requisitos, mas no final foi morto pela Suprema Personalidade de Deus. Submeter-se a penitências para conseguir algo que é impossível com certeza está no modo da ignorância.

Texto

dātavyam iti yad dānaṁ
dīyate ’nupakāriṇe
deśe kāle ca pātre ca
tad dānaṁ sāttvikaṁ smṛtam

Sinônimos

dātavyam — que vale a pena dar; iti — assim; yat — aquilo que; dānam — caridade; dīyate — é dada; anupakāriṇe — sem considerar a recompensa; deśe — em lugar apropriado; kāle — em tempo apropriado; ca — também; pātre — a uma pessoa conveniente; ca — e; tat — isso; dānam — caridade; sāttvikam — no modo da bondade; smṛtam — considera-se.

Tradução

A caridade dada por dever, sem expectativa de recompensa, no local e hora apropriados e dada a alguém digno, está no modo da bondade.

Comentário

Na literatura védica, recomenda-se a caridade feita a alguém ocupado em atividades espirituais. Não há nenhuma recomendação para se fazer caridade indiscriminadamente. A perfeição espiritual é sempre um aspecto importante. Por isso, recomenda-se dar caridade num lugar de peregrinação e nos eclipses lunar ou solar ou no final do mês ou a um brāhmaṇa qualificado ou a um vaiṣṇava (devoto) ou nos templos. Devem-se fazer essas caridades sem exigir em troca recompensa alguma. A caridade aos pobres às vezes é dada por compaixão, mas se um homem pobre não merece receber caridade, então não há avanço espiritual. Em outras palavras, a literatura védica não recomenda a caridade indiscriminada.

Texto

yat tu pratyupakārārthaṁ
phalam uddiśya vā punaḥ
dīyate ca parikliṣṭaṁ
tad dānaṁ rājasaṁ smṛtam

Sinônimos

yat — aquilo que; tu — mas; prati-upakāra-artham — para conseguir alguma recompensa; phalam — um resultado; uddiśya — desejando; — ou; punaḥ — novamente; dīyate — é dado; ca — também; parikliṣṭam — de má vontade; tat — isso; dānam — caridade; rājasam — no modo da paixão; smṛtam — entende-se que é.

Tradução

Mas a caridade executada com expectativa de alguma recompensa, ou com desejo de resultados fruitivos, ou com má vontade, diz-se que é caridade no modo da paixão.

Comentário

Às vezes, executa-se caridade em troca de elevação ao reino celestial e outras vezes a muito custo e arrependendo-se em seguida: “Por que gastei tudo isso?” A caridade também é dada às vezes por alguma obrigação, a pedido de um superior. Diz-se que estas espécies de caridade são dadas no modo da paixão.

Há muitas fundações beneficentes que fazem doações a instituições que promovem o gozo dos sentidos. A escritura védica não recomenda semelhantes caridades. Só se recomenda a caridade no modo da bondade.

Texto

adeśa-kāle yad dānam
apātrebhyaś ca dīyate
asat-kṛtam avajñātaṁ
tat tāmasam udāhṛtam

Sinônimos

adeśa — num lugar impuro; kāle — numa ocasião impura; yat — aquilo que; dānam — caridade; apātrebhyaḥ — a pessoas indignas; ca — também; dīyate — é dada; asat-kṛtam — sem respeito; avajñātam — sem a adequada atenção; tat — isso; tāmasam — no modo da escuridão; udāhṛtam — diz-se que é.

Tradução

E a caridade executada em lugar impuro, em hora imprópria e feita a pessoas indignas ou sem a devida atenção e respeito diz-se que está no modo da ignorância.

Comentário

Aqui não se incentivam contribuições feitas a alguém que se entrega a bebidas, drogas e jogos de azar. Esta classe de contribuição está no modo da ignorância. Tal caridade não é benéfica; pelo contrário, é um estímulo para os pecadores. Igualmente, se alguém faz caridade à pessoa adequada, mas não lhe tem nenhum respeito nem lhe dá nenhuma atenção, também se considera que esta espécie de caridade está no modo da escuridão.

Texto

oṁ tat sad iti nirdeśo
brahmaṇas tri-vidhaḥ smṛtaḥ
brāhmaṇās tena vedāś ca
yajñāś ca vihitāḥ purā

Sinônimos

oṁ — indicação do Supremo; tat — isso; sat — eterno; iti — assim; nirdeśaḥ — indicação; brahmaṇaḥ — do Supremo; tri-vidhaḥ — de três tipos; smṛtaḥ — é considerado; brāhmaṇāḥ — os brāhmaṇas; tena — com essa; vedāḥ — a literatura védica; ca — também; yajñāḥ — sacrifício; ca — também; vihitāḥ — usados; purā — outrora.

Tradução

Desde o começo da criação, as três palavras oṁ tat sat foram usadas para indicar a Suprema Verdade Absoluta. Estas três representações simbólicas foram usadas pelos brāhmaṇas enquanto cantavam os hinos dos Vedas e durante os sacrifícios executados para a satisfação do Supremo.

Comentário

Foi explicado que a penitência, o sacrifício, a caridade e os alimentos dividem-se em três categorias: os modos da bondade, paixão e ignorância. Seja de primeira, segunda ou terceira classe, todos eles são condicionados, ou contaminados pelos modos da natureza material. Quando são dirigidos ao Supremo — oṁ tat sat, a Suprema Personalidade de Deus, o eterno — eles se tornam um meio para alcançar a elevação espiritual. Tal objetivo é indicado nos preceitos das escrituras. Estas três palavras, oṁ tat sat, referem-se especificamente à Verdade Absoluta, a Suprema Personalidade de Deus. Nos hinos védicos, sempre se encontra a palavra oṁ.

Aquele que age sem seguir as regulações das escrituras não atingirá a Verdade Absoluta. Ele obterá algum resultado temporário, mas não a meta última da vida. Conclui-se que a caridade, o sacrifício e a penitência devem ser executados no modo da bondade. Realizados no modo da paixão ou ignorância, eles com certeza são de qualidade inferior. As três palavras oṁ tat sat são pronunciadas em relação ao santo nome do Senhor Supremo, por exemplo, oṁ tad viṣṇoḥ. Sempre que se pronuncia um hino védico ou o santo nome do Senhor Supremo, acrescenta-se oṁ. É isto o que consta na literatura védica. Estas três palavras são tiradas dos hinos védicos. Oṁ ity etad brahmaṇo nediṣṭhaṁ nāma (Ṛg Veda) indica o primeiro objetivo. Depois tat tvam asi (Chāndogya Upaniṣad 6.8.7) indica o segundo objetivo. E sad eva saumya (Chāndogya Upaniṣad 6.2.1) indica o terceiro objetivo. Juntando-as, obtém-se oṁ tat sat. Outrora, quando Brahmā, a primeira criatura viva, executou sacrifícios, ele indicou com estas três palavras a Suprema Personalidade de Deus. E desde então, o mesmo princípio tem sido seguido pela sucessão discipular. Logo, este hino tem um grande significado. O Bhagavad-gītā recomenda, portanto, que qualquer trabalho que se faça deve ser feito para oṁ tat sat, ou para a Suprema Personalidade de Deus. Ao executar penitência, caridade e sacrifício com estas três palavras, a pessoa age em consciência de Kṛṣṇa. A consciência de Kṛṣṇa é uma maneira científica de executar atividades transcendentais que a capacitam a voltar ao lar, de volta ao Supremo. Não existe perda de energia na execução desse processo transcendental.

Texto

tasmād oṁ ity udāhṛtya
yajña-dāna-tapaḥ-kriyāḥ
pravartante vidhānoktāḥ
satataṁ brahma-vādinām

Sinônimos

tasmāt — portanto; oṁ — começando com oṁ; iti — assim; udāhṛtya — indicando; yajña — de sacrifício; dāna — caridade; tapaḥ — e penitência; kriyāḥ — execuções; pravartante — começam; vidhāna-uktāḥ — conforme a regulação da escritura; satatam — sempre; brahma-vādinām — dos transcendentalistas.

Tradução

Portanto, os transcendentalistas, engajados na execução de sacrifícios, caridades e penitências conforme as regulações das escrituras, iniciam sempre com a pronúncia do ‘oṁ’ para alcançar o Supremo.

Comentário

Oṁ tad viṣṇoḥ paramaṁ padam (Ṛg Veda 1.22.20). Os pés de lótus de Viṣṇu são a plataforma devocional suprema. Tudo o que é executado em nome da Suprema Personalidade de Deus garante a perfeição de todas as atividades.

Texto

tad ity anabhisandhāya
phalaṁ yajña-tapaḥ-kriyāḥ
dāna-kriyāś ca vividhāḥ
kriyante mokṣa-kāṅkṣibhiḥ

Sinônimos

tat — isso; iti — assim; anabhisandhāya — sem desejar; phalam — o resultado fruitivo; yajña — de sacrifício; tapaḥ — e penitência; kriyāḥ — atividades; dāna — de caridade; kriyāḥ — atividades; ca — também; vividhāḥ — várias; kriyante — são feitas; mokṣa-kāṅkṣibhiḥ — por aqueles que realmente desejam a liberação.

Tradução

Sem desejar resultados fruitivos, devem-se executar várias espécies de sacrifício, penitência e caridade com a palavra ‘tat’. O propósito destas atividades transcendentais é a liberação do enredamento material.

Comentário

Para elevar-se à posição espiritual, não se deve agir em busca de ganhos materiais. Quando se executam atividades, deve-se visar o ganho último: ser transferido ao reino espiritual, de volta ao lar, de volta ao Supremo.

Texto

sad-bhāve sādhu-bhāve ca
sad ity etat prayujyate
praśaste karmaṇi tathā
sac-chabdaḥ pārtha yujyate
yajñe tapasi dāne ca
sthitiḥ sad iti cocyate
karma caiva tad-arthīyaṁ
sad ity evābhidhīyate

Sinônimos

sat-bhāve — na natureza do Supremo; sādhu-bhāve — na natureza do devoto; ca — também; sat — a palavra sat; iti — assim; etat — esta; prayujyate — é usada; praśaste — genuínas; karmaṇi — em atividades; tathā — também; sat-śabdaḥ — o som sat; pārtha — ó filho de Pṛthā; yujyate — é usado; yajñe — em sacrifício; tapasi — em penitência; dāne — em caridade; ca — também; sthitiḥ — a situação; sat — o Supremo; iti — assim; ca — e; ucyate — é pronunciada; karma — trabalho; ca — também; eva — decerto; tat — por isso; arthīyam — destinado; sat — o Supremo; iti — assim; eva — decerto; abhidhīyate — é indicado.

Tradução

A Verdade Absoluta é o objetivo do sacrifício devocional, e é indicada pela palavra ‘sat’. O executor deste sacrifício também é chamado ‘sat’, assim como o são todas as obras de sacrifício, penitência e caridade que, em harmonia com a natureza absoluta, são executadas para agradar à Pessoa Suprema, ó filho de Pṛthā.

Comentário

As palavras praśaste karmaṇi, ou “deveres prescritos”, indicam que a literatura védica prescreve muitas atividades que servem de processos purificatórios e que começam no momento da concepção e vão até o fim da vida. Tais processos purificatórios são adotados pela entidade viva que deseja a liberação última. Em todas essas atividades, recomenda-se que se vibre oṁ tat sat. As palavras sad-bhāve e sādhu-bhāve indicam a posição transcendental. Agir em consciência de Kṛṣṇa chama-se sattva, e alguém que tem pleno conhecimento das atividades da consciência de Kṛṣṇa chama-se sādhu. No Śrīmad-Bhāgavatam (3.25.25), afirma-se que os tópicos transcendentais ficam claros quando se busca a associação dos devotos. As palavras usadas neste ensejo são satāṁ prasaṅgāt. Sem boa associação, ninguém pode obter conhecimento transcendental. Ao iniciar um discípulo ou oferecer o cordão sagrado, o mestre vibra as palavras oṁ tat sat. Igualmente, em todos os tipos de execução de yajña, o objetivo é o Supremo, oṁ tat sat. A palavra tad arthīyam também significa prestar serviço a qualquer coisa que represente o Supremo, incluindo serviços tais como cozinhar, e ajudar no templo do Senhor, ou qualquer outra espécie de trabalho que sirva para difundir as glórias do Senhor. Estas palavras supremas oṁ tat sat são então usadas de muitas maneiras para aperfeiçoar todas as atividades e tornar tudo completo.

Texto

aśraddhayā hutaṁ dattaṁ
tapas taptaṁ kṛtaṁ ca yat
asad ity ucyate pārtha
na ca tat pretya no iha

Sinônimos

aśraddhayā — sem fé; hutam — oferecido em sacrifício; dattam — dado; tapaḥ — penitência; taptam — executada; kṛtam — praticado; ca — também; yat — aquilo que; asat — falso; iti — assim; ucyate — diz-se que é; pārtha — ó filho de Pṛthā; na — nunca; ca — também; tat — isso; pretya — depois da morte; na u — nem; iha — nesta vida.

Tradução

Tudo aquilo que é feito como sacrifício, caridade ou penitência sem fé no Supremo, ó filho de Pṛthā, é impermanente. Chama-se ‘asat’ e é inútil tanto nesta vida quanto na próxima.

Comentário

Tudo aquilo que é feito sem o objetivo transcendental — seja sacrifício, caridade ou penitência — é inútil. Por isso, neste verso declara-se que essas atividades são abomináveis. Tudo deve ser feito em prol do Supremo em consciência de Kṛṣṇa. Sem essa fé, e sem a orientação adequada, nunca pode haver fruto algum. Em todas as escrituras védicas, aconselha-se que se deposite fé no Supremo. Na observância de todas as instruções védicas, a meta última é compreender Kṛṣṇa. Ninguém pode obter sucesso sem seguir este princípio. Portanto, a melhor conduta é agir desde o começo em consciência de Kṛṣṇa sob a orientação de um mestre espiritual genuíno. Esta é a maneira de tornar tudo um sucesso.

No estado condicionado, as pessoas se sentem atraídas a adorar semideuses, fantasmas, ou Yakṣas como Kuvera. O modo da bondade é melhor que os modos da paixão e da ignorância, mas quem adota diretamente a consciência de Kṛṣṇa é transcendental a todos os três modos da natureza material. Embora exista um processo de elevação gradual, aquele que, através da associação com os devotos puros, adota diretamente a consciência de Kṛṣṇa, segue o melhor caminho. E é isto o que se recomenda neste capítulo. Para obter este sucesso, ele deve primeiro encontrar o mestre espiritual competente e ser treinado nas instruções que ele transmite. Então, ele pode desenvolver fé no Supremo. Quando esta fé amadurece, no decorrer do tempo, se chamará amor a Deus. Este amor é a meta última das entidades vivas. Deve-se, portanto, adotar diretamente a consciência de Kṛṣṇa. Esta é a mensagem deste Décimo Sétimo Capítulo.

Neste ponto encerram-se os significados Bhaktivedanta do Décimo Sétimo Capítulo do Śrīmad Bhagavad-gītā que trata das Divisões da Fé.